fbpx

Quebrando o ciclo de pobreza e de problemas de saúde no Brasil, por Vera Cordeiro

Por Vera Cordeiro – Fundadora e presidente do conselho do Instituto Dara
Artigo publicado originalmente no site do Fórum Econômico Mundial


– A pobreza extrema tem aumentado mais agora do que nos últimos 20 anos.

– Uma iniciativa brasileira evita soluções de cima para baixo em favor da resolução de problemas na comunidade.

– Essa iniciativa atende famílias de forma estruturada durante dois anos, visando melhorar a sua situação com relação à saúde, à educação, à moradia, à geração de renda e à cidadania.

Centenas de milhões de pessoas vivem na pobreza nas favelas da América do Sul, da África e da Ásia. Essas pessoas em situação vulnerável precisam urgentemente de moradia, de educação, de oportunidades de trabalho, de acesso a serviços governamentais e de cuidados médicos decentes. Por onde começar?

Além disso, em 2020, a pobreza extrema aumentou pela primeira vez em mais de duas décadas, à medida que a pandemia de Covid-19 levou entre 88 milhões a 115 milhões de pessoas para abaixo da linha da pobreza, vivendo com menos de US$ 1,90 por dia (cerca de R$10,68), de acordo com o Banco Mundial.

Isso significa que, conforme o desemprego aumenta, mais famílias que antes da pandemia conseguiam sobreviver terão agora dificuldades de colocar comida na mesa e ter um teto para morar.

Muitos não conseguirão suportar o “impacto na saúde” de um membro da família adoecendo – um risco que já existia e é ainda maior à medida que o coronavírus atinge favelas superlotadas nos países em desenvolvimento.

Enfrentar os desafios interligados de pobreza e de saúde começa com o reconhecimento de que tratar os problemas médicos dos pacientes de forma isolada não é a solução. Romper a espiral de privação significa abordar os determinantes sociais de saúde, sejam eles moradias precárias, falta de educação e de treinamento ou informações inadequadas sobre serviços sociais.

Mas agora existe um plano para lidar com essa matriz de problemas e que pode ser feito em escala: em níveis local, regional e até global.

Um instituto, cinco linhas de ataque
Uma iniciativa do Instituto Dara foi construída a partir da constatação de um grande número de crianças de comunidades do Brasil sendo internadas em hospitais para tratamentos, recebendo alta e sendo readmitidas alguns meses depois – muitas vezes morrendo.

Não foi difícil descobrir o motivo disso: se as crianças são enviadas de volta às mesmas condições precárias de vida que desencadearam a doença, as chances de elas voltarem ao hospital são grandes e com casos mais graves.

Os esforços dos médicos em hospitais e clínicas não são muito eficazes se a sociedade também não lidar com as questões fundamentais de desnutrição, saneamento básico deficiente e moradias úmidas e insalubres. Isso pode levar a casos por vezes fatais de pneumonia, asma, distúrbios gastrointestinais, além de outras doenças.
Em vez de focar em uma questão, é necessária uma abordagem multifacetada e de longo prazo que leve em consideração todas as necessidades das famílias urbanas pobres.

Por quase 30 anos, o Instituto Dara vem trabalhando para construir uma ponte entre os cuidados hospitalares e as famílias em seus lares.

Desenvolvemos uma metodologia padrão – uma tecnologia social – que oferece suporte em cinco áreas fundamentais: saúde, educação, moradia, geração de renda e cidadania. Em vez de impor soluções de cima para baixo, um plano (o Plano de Ação Familiar – PAF) é elaborado em conjunto com os membros da família, com apoio normalmente fornecido por dois anos.

A evidência está em estudos de caso
Mulheres como Angel Silva, de 28 anos, de Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro, são prova viva de que essa metodologia funciona. Ela não só recebeu ajuda para alimentar seu filho desnutrido, mas também quando sua casa foi devastada por enchentes. Desde então, ela formou-se como confeiteira e agora possui uma pequena empresa, a Angel Doces.

Ao longo dos anos, a tecnologia social PAF chegou a 23 localidades no Brasil e foi adotada como política pública em Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. A vida de 75 mil brasileiros foi diretamente impactada por nossos planos de ação, que normalmente custam cerca de R$ 900,00 por mês por família para serem executados.

Existem dados concretos que demonstram que é um dinheiro bem gasto. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Georgetown encontrou melhorias significativas e duradouras na saúde e na segurança financeira das famílias que se formaram no programa, com a renda quase dobrando e as reinternações hospitalares caindo 86% de três a cinco anos depois de concluírem seu PAF.

Além disso, o número de famílias que possuem casa própria saltou de 28% para 50%.

Efeitos indiretos positivos: das famílias para o mundo
Ao capacitar as famílias a melhorar a sua própria vida por meio de aconselhamento sobre nutrição e saúde, passando por treinamento profissional e serviços jurídicos, os benefícios também são propagados por todas as comunidades.

Cristiane Eusébio, 48, moradora de São Pedro da Aldeia, zona leste do Rio de Janeiro, faz parte do PAF desde 2019. Durante a pandemia, Cristiane criou uma rede local de mulheres vivendo em condições semelhantes às dela e conseguiu ajudar várias famílias a terem acesso a benefícios do governo.

A mensagem também está sendo promovida fora do Brasil. A Universidade de Maryland emprega a metodologia do PAF em comunidades em áreas carentes de Baltimore, nos EUA. Os princípios gerais estabelecidos pelo Instituto Dara também foram adotados por outros empreendedores sociais e exportados para quatro continentes.

Sem uma abordagem conjunta, observa-se um ciclo interminável de regras de privação, uma vez que moradias precárias significam problemas de saúde, especialmente para crianças. Muitas vezes, doenças levam famílias a uma pobreza devastadora.

É possível fornecer soluções voltadas para família, pobreza e os problemas de saúde, e fazê-lo em escala. O novo desafio é que outras pessoas em todo o mundo implementem essas iniciativas, que são mais necessárias do que nunca, pois a longa sombra da pandemia obscurece as perspectivas econômicas de milhões das famílias mais pobres e vulneráveis ​​do mundo.